Um dia na Bósnia: onde o Ocidente e o Oriente se encontram

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A Bósnia e Herzegovina é um dos países que se formou a partir da dissolução da Ex-Iugoslávia. Nós estivemos nesse pequeno país intrigante por um dia e foi impossível não vir a tona as recordações dos noticiários que passavam na minha infância mostrando o conflito da Bósnia. Duas décadas depois, o local permanece um caldeirão de diferentes culturas e o impacto da guerra ainda está presente. Para entender tudo isso foi preciso relembrar um pouco as aulinhas de história.

A região já foi dominada pelos sérvios, croatas, venezianos e bizantinos. Alguns séculos mais tarde, acabou sendo tomada pelo Império Otomano. Durante esse período, grande parte da população converteu-se ao Islamismo. Principal razão para isso: imunidade de impostos.  Todavia, em 1878, a Bósnia passou ao controle do Império Austro-Húngaro. Em 1914, o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando foi assassinado em Sarajevo por um nacionalista sérvio, o que foi o estopim para a 1ª Guerra Mundial e fez com que a Bósnia fosse anexada à Sérvia. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, a Bósnia passou a integrar a Iugoslávia.

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A derrocada do regime comunista, levou ao desmantelamento da Iugoslávia e a Bósnia tornou-se independente em 1992. Infelizmente, isso levou a uma guerra civil que resultou na morte de 200 mil pessoas. Isso porque, lembra que falei aí em cima que uma parte da população se converteu ao Islamismo!? Pois então, ainda hoje a população é bem dividida: são 3 governos, 3 religiões, 3 culturas, 3 idiomas, 3 tudo.

Hoje, 44% da população é composta por eslavos muçulmanos, seguidores do Islã. Outros, 31% são sérvios e são cristãos ortodoxos em sua maioria. Por fim, 17% são croatas, que são católicos majoritariamente. Com a guerra pelo fim da Iugoslávia, os sérvios se recusavam a se separar e aliaram-se à Sérvia, que nesse momento lutava pela continuação da Iugoslávia. Isso levou a uma guerra civil na Bósnia, entre esse três povos tão distintos. Foi só em 1995 que foi assinado um tratado de paz e, até hoje, as forças das Nações Unidas ainda estão lá para garantir o acordo.

Os retratos da guerra civil ainda estão ali: escancarados. Por onde andávamos, víamos prédios com marcas de balas a perder de conta. Sem contar que víamos bala de fuzil em tudo que é canto. De acordo com nosso guia, sem saber o que fazer com todas as balas que sobraram daquela época, hoje elas viram material para brinquedos, esculturas, souvenirs, etc.

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Hoje tem-se lá uma república presidencialista tripartida, visto que há um presidente bósnio-muçulmano, outro croata e outro sérvio, cada um ocupando o cargo por 8 meses dentro do mandato de 4 anos, de forma rotativa. O sistema legislativo e judiciário também é proporcional. Ainda, há 3 bandeiras. Tudo isso mostra como o país ainda hoje é bem dividido.

O país também está dividido em duas regiões geográficas bem distintas: a Bósnia, em que há densas florestas; e a Herzegovina, uma região mais montanhosa. E por mais lindas que as montanhas sejam, é proibido o hiking/trekking por lá, justamente porque ainda há minas explosivas do período de guerra espalhadas.

Inicialmente, meu plano era ir até Sarajevo, mas dada a escassez de transportes públicos e a complicação que seria, acabei optando por uma semana super relax na Croácia. Aí comecei a pesquisar uma cidade que fosse uma pequena Sarajevo. Ou seja, com as mesmas construções típicas, cultura e história similar. Foi aí que eu encontrei Mostar.

Mostar é tudo aquilo que pensei que a Bósnia seria. Uma cidade marcada pela guerra e pelas diferentes culturas. O centro histórico é uma graça com construções antigas típicas, mostrando onde o Ocidente e o Oriente se encontraram. O comércio é agitado e vale a pena pechinchar nas compras.

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A cada 3 quarteirões há uma mesquita, afinal, acreditava-se que a construção da mesma levaria a família patrocinadora ao paraíso. Ao meio dia, começamos a ouvir cantos e ver pessoas parando para a oração. Dobrar uma esquina, poderia significar encontrar um mercado muçulmano. Era como estar na Turquia, sem estar na Turquia.

Além da cidade antiga, o principal ponto turístico é a famosa ponte velha sobre o rio Neretva. Interessante que quando o exército alemão nazista ali chegou, enviou mensagem para Berlim perguntando se deveriam derrubar ou não a ponte. O comando denegou o pedido, afirmando que não se deve destruir os símbolos culturais de um povo.

Anos depois, veio a guerra civil e, ironicamente, a ponte foi derrubada por esse mesmo povo. Em 2004, a ponte foi reconstruída e hoje representa para a população um sinal de esperança para o futuro e de maior harmonia entre os 3 povos que formam a Bósnia.

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Depois de perambular pelas ruas e almoçarmos, não resisti a ir às compras. Bordados e tapetes lindos com preços acessíveis. Como resistir!? Voltei com alguns na mala. Como todo muçulmano, eles adoram uma negociação de preços e vão fazer qualquer negócio para que você saia com algo nas mãos. Outra coisa típica de lá, são produtos a partir de lavandas: sabonetes, sachês aromatizadores, etc. Mais uma coisa são pratos e enfeites a base do cobre, cobalto e outros metais que são abundantes na região.

Feitas as compras, era hora de seguir rumo ao nosso segundo destino: Kravice Waterfalls. Fomos na estação ideal: a primavera. Isso porque, é a época do ano em que tudo está verde e a água da cachoeira está no maior volume de água. Além disso, por ser início de maio, era baixa temporada e quase não havia ninguém por lá. Ficamos ali curtindo cerca de uma hora e foi o ponto alto do nosso day-trip, ainda mais em um dia encalorado e depois de tanto bate-perna. Esse parque verde com essa cachoeira linda fica a uns 45 minutos de Mostar e eu recomendo demais passar uma horinha ou duas por lá para relaxar, conforme a época do ano.

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Infelizmente, o tempo passou rápido demais e logo já era hora de voltar para Dubrovnik. Tanto na ida, quanto na volta, fizemos uma parada rápida em Neum para esticar as pernas. Neum é a única cidade costeira da Bósnia e fica bem no meio da Croácia! Inicialmente, pode-se pensar que tenha sido um tratado para que a Bósnia tivesse acesso ao mar, mas não, a história é muito mais antiga que isso. Na verdade, a Ragusa (atual Dubrovnik) dominava a área e a cedeu ao Império Otomano para que os ajudassem na defesa contra Veneza, a grande inimiga.

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Até hoje Neum pertence à Bósnia e foi por isso mesmo que tivemos que cruzar 6 fronteiras em um dia só! 3 na ida e 3 na volta! Primeiro, sai-se da Croácia e entra-se na Bósnia para sair da Bósnia e entrar na Croácia de novo e depois sair da Croácia para entrar na Bósnia de novo. E na volta, tudo de novo… Das 3 fronteiras, só uma foi mais demorada, tanto na ida e quanto na volta. Então, esteja preparado para ficar um bom tempo no carro (se decidir alugar) ou na van/ônibus (se for de excursão).

De acordo com a guia, a outra estrada que liga Dubrovnik e Mostar leva um pouco menos de tempo, mas é menos interessante por não ser tão bonita, já que não é beira-mar e por não haver nada entre os 2 pontos.

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Para concluir, vale dizer que a Bósnia me impressionou demais! O país foge de um passeio típico de uma cidade européia, ainda que do Leste Europeu: centro bonitinho, casinhas bonitinhas, a praça com meia dúzia de atrações em volta,… Ali, tudo é diferente. A começar pela caldeirão cultural.

Também por causa da guerra, o país é bem pobre. Então, vá com paciência e mente aberta. Há muitas crianças e mulheres pedindo esmola o tempo todo, como nunca havia visto antes, o que é de quebrar o coração. Como disse, vale a pena fazer compras por lá. Além de serem produtos artesanais lindos, de qualidade e bem baratos, é uma forma de estimular o comércio local.

Enfim, a Bósnia é um desses lugares que te traz um qualquer coisa de novo e de diferente. Já disse uma vez aqui no blog que, para mim, o importante em conhecer lugares que quase ninguém conhece nāo é preencher mais um país no mapa e um carimbo no passaporte, mas ver o quanto o mundo é diverso. Não estou dizendo para você cortar Paris ou Londres do seu roteiro. Mas sim que aquilo que não está na rota turística clássica pode ser também interessante de uma forma completamente diferente. Justamente, os lugares que ninguém vai são os que mais me surpreendem. E, com certeza, pelo menos para mim, a Bósnia foi um desses lugares.

 

Dicas práticas

  • Onde comer

Pegamos a recomendação n. 1 do TripAdvisor e almoçamos no pequeno e aconchegante Tima Irma. O local fica na rua principal entre a entrada da cidade velha e a ponte. É um pequeno restaurante, com uma dona simpática e sorridente que vai te atender como uma amiga. A comida é deliciosa e bem típica. Além de muito barata. Pagamos 13 euros para: 2 pratos gigantes maravilhosos, 2 cervejas, 1 água e queijo. E no fim ela ainda nos deu 2 cartões postais e uma cerveja de lembrança!

Site do restaurante Tima Irma: http://www.cevabdzinica-tima.com/  – Endereço: Onešćukova bb, 88000

 

  • Como ir

O transporte público é meio inviável porque há poucos ônibus, com horários restritos. Uma opção é alugar carro. E era a nossa primeira opção para não ficarmos restritos aos horários dos grupos de excursões. Todavia, pesquisando melhor vi que as filas das fronteiras sempre poderiam ser uma supresa desagradável e tomarem algumas horas. Somado ao cansaço de dirigir por horas no mesmo dia, acabei optando por excursão.

Escolhi a Adriatic Explore, em um tour contemplando Mostar e Kravice, o que foi uma ótima opção. O motorista foi acompanhando em tempo o real o fluxo nas fronteiras e escolhendo as que tinham menos fila. A guia Ivana era muito simpática e sabia muito da Croácia e região. O guia em Mostar também foi bem informativo. Ou seja, nenhum stress e todo o conforto, em um dia naturalmente longo e cansativo, já que são muitas fronteiras e horas de viagem (seja de carro, seja de excursão).

O centro histórico de Mostar é muito pequeno. Muito mesmo! Em 40 min, fizemos todo o walking tour com o guia. Então, tendo 3 horas  no total lá, as 2 horas e poucos restantes foram mais que o suficiente para andarmos, almoçarmos, tirarmos mais algumas fotos e comprar algumas coisinhas. 1h e meia na cachoeira também foi de bom tamanho.